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NCPC: Novo Código de Processo Civil é uma lei em busca de ideologia

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NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

NCPC: Ideologia e museu de grandes novidades

CAZUZA

CPC 2015

IDEOLOGIA

MUSEU DE GRANDES NOVIDADES

NOVO CPC

Marcelo Pacheco Machado
Marcelo Pacheco Machado

12/01/2015

Prelúdio

Tem horas que olho para o Novo Código de Processo Civil e me lembro de Cazuza. Tá certo, isso é coisa de roqueiro frustrado que acabou virando professor de processo civil, mas que não deixou sair da cabeça parte daquelas letras e melodias do passado.

Músicas que ainda acabam contracenando inadvertidamente com a realidade árida – desértica – da Justiça e do instrumento da Jurisdição.
Tal aridez, certamente, afastaria qualquer possibilidade deste texto tentar ligar o Código à poesia e sensibilidade do ingênuo letrista.

Também a rebeldia do roqueiro não tem lugar na caretice dos fóruns e tribunais, muito menos nos textos de processo civil… cada vez mais empastelados, uniformizados e submetidos à uma métrica puxassaquística.

Não… nada disso.

Nem poesia nem rebeldia. Predicados aqui inconciliáveis, inaptos a descreverem o fenômeno. Trataremos de outras coisas…

Primeiro ato: Ideologia, eu quero uma pra viver

O Novo CPC é uma lei que busca para si uma ideologia. Ora, sou ou não sou um Código Privatista? Tenho agora negócios jurídicos processuais, coloco a vontade privada num patamar nunca antes colocado, permito que as partes transacionem poderes, deveres, ônus e faculdades processuais e elaborem calendário para o processo.

Art. 189. Versando a causa sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

§ 1º De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 2° O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

O antes público (cogente) se torna privado (dispositivo), e as partes ganham poder, podem celebrar com razoável amplitude (não se sabe, todavia, que amplitude seria essa exatamente) negócios jurídicos processuais.

O poder das partes no novo código é tal que o juiz é obrigado a se submeter ao negócio privado, quanto ao procedimento, ao modo de ser processo, aos poderes, deveres, ônus e faculdades. Ainda que, na sua visão, tais escolhas tenham sido as piores possíveis, o Estado-juiz se curva à vontade privada.

Não obstante isso tudo, há neste Código normas que permitem, ao mesmo tempo, visão complementarmente distinta. Ousaria dizer que fariam projetarem-se os glóbulos oculares de processualistas como Aroca e Cipriani.

São normas publicistas, numa intensidade nunca antes vista pelo ordenamento nacional. O publicismo normal, sim, está nesse código, em dispositivos que tratam dos poderes instrutórios do juiz e da possibilidade de produção de provas de ofício.

Art. 377. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

A novidade, todavia, está em outra circunstância: o Leviatã, se achar pertinente, pode tomar o processo das partes e transformá-lo em coletivo.

O Poder do Estado aqui é tão forte que a parte nada pode fazer contra o encanamento de sua causa “para um bem maior”. Ainda que isso signifique que o processo “da parte” agora – como sói de ocorrer com grande parte dos processos coletivos – estará fadado a um curso extremamente demorado e complexo.

Art. 334. Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que:

I – tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles definitivos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade;
II – tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, suja solução, pela sua natureza ou por disposição da lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo.

Outro exemplo de publicismo extremo está na inovação do Código, que acabou com o recurso de embargos infringentes (ato voluntário da parte) e o transformou em técnica de julgamento ex officio.

Art. 955. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, a serem convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

§ 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.

§ 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.

§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; neste caso, deve o seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

Antes eram as partes que tinham o poder de dizer se aquela questão, decidida por maioria de votos, seria submetida ao reexame, com possibilidade de reforma ou anulação. Agora é o Estado, controlador do processo, que passará a o fazer, independentemente da vontade da parte.

Vemos assim que o Novo Código, uma hora, tende ao predomínio da vontade da parte, no controle do “modo de ser” do processo, colocando o interesse privado em patamar de destaque, e privatizando normas que, à luz do Código vigente, têm natureza de ordem pública (normas cogentes).

Noutra hora, no entanto, este mesmo Código nascituro coloca o interesse público em posição muito superior ao privado, e retira das partes o controle do processo, tanto na delimitação do próprio objeto litigioso quanto do ponto de vista do reexame das decisões judiciais.
Cazuza, assim, se fosse processualista, teria mais um exemplo daqueles seres que, assolados por contradições, buscam uma ideologia para chamar de sua: o Novo CPC.

Segundo Ato: Museu de grandes novidades

Há várias novidades no novo Código de Processo Civil. Há, porém, novas novidades, como o sistema de precedentes, julgamento de demandas repetitivas e, também, velhas novidades, das quais tratamos aqui. A taxatividade do cabimento do recurso de agravo é uma velha novidade.

O CPC vigente prevê a recorribilidade geral e irrestrita das interlocutórias, numa sistemática que na visão de Buzaid tinha clara finalidade simplificatória (ex vi exposição de motivos do CPC/73).

O novo CPC, no entanto, rompe esse paradigma e, na expectativa de “limitar recursos”, passa a prever taxativamente as hipóteses de cabimento do recurso de agravo.

Art. 1012. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I –tutelas provisórias;
II –mérito da causa;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV –incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento
do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo
aos embargos à execução;
XI – outros casos expressamente referidos em lei.

Ao fazê-lo, o Novo CPC – em linhas gerais – repete o sistema taxativo de recorribilidade das interlocutórias do Código de 1939, famigerado pelas dificuldades hermenêuticas e pelas “lacunas axiológicas”.

Outro exemplo de novidade museológica podemos encontrar na formação da coisa julgada sobre questão prejudicial.

O Código de 1973, influenciado pelo pensamento de Liebman e Chiovenda, restringiu a imutabilização ao comando decisório da sentença, excluindo os fundamentos e os motivos de decidir. Esse é o sistema que temos hoje em 2015.

O Novo CPC rompe, no entanto, com esse paradigma e permite o estabelecimento da coisa julgada sobre as questões prejudiciais. Daí sua inovação.

Art. 499. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Art. 500. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentalmente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Ocorre que, também nesse ponto, a novidade parece ter sido resgatada do museu da jurisprudência. Já tivemos sistema processual que admitia a coisa julgada sobre questões prejudiciais no Brasil.

O pensamento de Savigny, com intensa influência sobre a doutrina brasileira, aliado à confusa redação do art. 287 do CPC de 1939, fazia vitoriosa, até o ano de 1973, a tese pela qual o fundamentos a servirem de “premissa fundamental da decisão” deveriam, sim, ser imutabilizados pela coisa julgada.

Duas das grandes novidades do Código, regime taxativo do agravo e coisa julgada sobre questões prejudiciais, que chamam a atenção do público e que deverão gerar grande alvoroço nos fóruns, são novidades antigas, antes abandonadas exatamente pelo seu potencial de aumentar a complexidade do processo.

Daí, ao menos duas dessas grandes novidades, me fazerem lembrar o museu cantado por Cazuza.

Finale (sem Gran)

Caros leitores – se é que há sobreviventes até esse momento – serei o último a jogar pedras naqueles que possuem contradições arraigadas em seu âmago. Um pretenso ex futuro roqueiro, que ama a música clássica, jamais teria autoridade moral para fazê-lo.

Tampouco seria razoável criticar de per se o ressurgimento de novas ideias do passado, principalmente se elas forem boas ideias e se prestarem a resolver problemas do presente.

O andamento deste finale é, portanto, um allegro. As contradições e ressureições do Novo CPC dão pano pra manga a ricas discussões e debates profundos. Coisas que nós processualistas adoramos e certamente vamos fomentar.

Agora, um allegro ma non troppo, tendo em vista a circunstância agridoce da realidade…. debate é bom para nós, da academia. Nos fóruns, mais uma pedra no meio do caminho.

*Atualizado em 20/02/2017


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